O momento para além do retorno
- Edgard Leite Ferreira Neto
- 8 de abr.
- 2 min de leitura

A vivência do, assim chamado, eterno retorno é experiência cotidiana da vida. Tudo retorna, e tudo recomeça. Escreveu o rei Salomão:
"Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu. O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos. O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós” (Ec 1-10).
O retorno permanente é o contínuo retorno das dores, porque todas as satisfações terminam continuamente. A cada recomeço de alegria a certeza da próxima dor se anuncia. Não por acaso antigos astrólogos entendiam que conjunções, oposições e relações de ângulos entre planetas e estrelas sinalizavam realizações e fracassos, alegrias e tristezas que podiam ser mensurados nas revoluções dos corpos celestes associando esses eventos com os acontecimentos do mundo. Assim como retornavam os planetas era a vida das pessoas também. Era inevitável, muito natural e certo prever o próximo advento de sofrimentos.
Mas esse retorno é, de fato, eterno? Sigmund Freud achava, como observamos, que esse movimento traduzia um sentimento de eternidade. Platão, na verdade, disse que isso era uma imitação da eternidade. Porque o eterno, Deus, era único e não fragmentado. A fragmentação do retorno, a desesperança que ele introduz a cada momento da vida, é elemento de demolição do Homem. Por isso Michel de Foucault acreditava nessa figura contínua de um homem demolido pela dor contínua da morte que nunca termina. As coisas podem sempre retornar, mas estão associadas à mudança, não à eternidade. Pois esta não tem começo nem fim.
O nosso tempo, de química avançada, criou diferentes substâncias eficazes para anestesiar esse sentimento, e tornar a demolição humana aceitável e mesmo agradável. Essas substâncias, drogas legais e ilegais, podem tornar cada momento de dor um momento de alívio. Mas o tempo continua retornando e demolindo.
Por isso é necessária, para o Homem, não o retorno, mas a eternidade. E, bem maior que o retorno, é, para a pessoa, a atenção absoluta ao momento, ao instante, que é único e irrepetível. Criador e libertador. Na sua ausência de tempo nos ata ao eterno, a uma voz que vem de fora da temporalidade, do ciclo dos planetas e dos retornos de nossas paixões, alegrias e sofrimentos: "no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo" (Jo 16:32).
Esse instante absoluto nos conecta com o imaterial e nos movimenta para a libertação desses ciclos, apontando uma realidade que nos ampara e é maior que toda dor - e permite sua superação: a vitória sobre o retorno.
Comments