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"Onde estás"?


Edgard Leite Ferreira Neto


A II Guerra Mundial foi uma obra-prima da modernidade e do pensamento iluminista. Os eventos ocorridos entre 1939-1945 se tornaram a culminância de uma série de processos iniciados séculos antes: na crítica de Espinosa à confiança; na insistência de Copérnico e Kleper no império da matemática; na secularização da política, por Maquiavel; nos Descobrimentos, e na universal relativização dos valores que se seguiu a isto. As grandes rupturas institucionais dos séculos XVIII e XIX criaram as condições políticas para que essas tendências fossem consolidadas em escala global.


De fato, quando chegamos ao século XX, nunca houve tanta descrença: na Guerra Civil Espanhola, por exemplo, a Igreja enfrentou não os protestantes, mas os ateus. Os avanços da engenharia, da física e da química foram surpreendentes: entre 1939 e 1945 foram produzidos engenhos balísticos (como a V-2), que em poucos minutos atravessavam o Canal da Mancha, em velocidade supersônica, e alcançavam, em cheio, sem aviso, cidades da Inglaterra. Naqueles anos foram construídos artefatos explosivos que permitiram a morte instantânea de centenas de milhares de pessoas, no Japão.


No século XX se consolidou profundo ódio entre identidades. Essas, não mais relativizadas pelo reino do espírito, centravam-se agora em certezas oriundas do mundo: as opiniões revolucionárias, as diferenças de raça ou de cor de pele, a sensação de pertencimento a um povo específico. Os campos de extermínio foram a grande realização de desejos políticos desprovidos de compaixão, ternura, de virtudes.


Nunca se desprezou tanto os valores e a verdade. A II Guerra Mundial foi movida por narrativas sem maiores compromissos com o mistério do mundo. Rompidas com princípios éticos milenares, com observações que sempre foram feitas sobre a natureza da condição humana e sua realidade. Tudo passou a ser fantasia e exercício insistente de fantasias sobre o mundo e sobre a capacidade humana de transformá-lo..


Obra-prima, portanto, foi a II Guerra Mundial. Realização de um projeto que pretendia a Igualdade, mas instalou e consolidou desigualdades terríveis; que alardeava a Fraternidade, mas que despiu de qualquer sentido universal os atos de amizade e tornou-os vazios; e que propugnava pela Liberdade, mas que se dedicou de forma desesperada a criar mecanismos poderosos de limitação da capacidade humana de decidir.


Alguém pode sussurrar com alguma ansiedade: mas nunca se curou tanto, nunca se viveu tanto, nunca se reproduziu tanto. De fato, esse é o paradoxo de tudo que se vive. Estamos presos numa espiral de benefícios mas que continua produzindo elementos de uma nova obra-prima. Tudo isso fruto da inteligência humana e permissão de Deus, sem dúvida alguma. Mas cabe-nos refletir com profundidade sobre o que acontece. E descobrir o que Deus deseja de nós, vivendo nós em tal momento, tão desprovido de limites e tão inundado de obstáculos ao mundo do espírito.


“Onde estás”? Perguntou Deus a Adão. Essa questão profunda continua sendo feita. É pergunta essencial. Onde estamos e o que somos? O que fizemos da nossa existência? É a única pergunta que, ecoando pelos milênios, nos chama à consciência. Não há muitas saídas se não ouvi-la. E responde-la. Adão assim o fez: "Ouvi a tua voz soar no jardim, e temi, porque estava nu, e escondi-me" (Gn 3: 9-10). Reconhecer que nos escondemos da verdade é um começo simples para voltar a nos reencontrar com ela, no meio da miséria da história das decisões humanas.



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